Perguntaram-me uma vez
se eu saberia calcular o Brasil daqui a vinte e cinco anos. Nem daqui a vinte e
cinco minutos, quanto mais vinte e cinco anos. Mas a impressão-desejo é a de
que num futuro não muito remoto talvez compreendamos que os movimentos caóticos
atuais já eram os primeiros passos afinando-se e orquestrando-se para uma
situação económica mais digna de um homem, de uma mulher, de uma criança. E
isso porque o povo já tem dado mostras de ter maior maturidade política do que
a grande maioria dos políticos, e é quem um dia terminará liderando os líderes.
Daqui a vinte e cinco anos o povo terá falado muito mais.
Mas se não sei prever, posso pelo menos desejar. Posso
intensamente desejar que o problema mais urgente se resolva: o da fome.
Muitíssimo mais depressa, porém, do que em vinte e cinco anos, porque não há
mais tempo de esperar: milhares de homens, mulheres e crianças são verdadeiros
moribundos ambulantes que tecnicamente deviam estar internados em hospitais
para subnutridos. Tal é a miséria, que se justificaria ser decretado estado de
prontidão, como diante de calamidade pública. Só que é pior: a fome é a nossa
endemia, já está fazendo parte orgânica do corpo e da alma. E, na maioria das
vezes, quando se descrevem as características físicas, morais e mentais de um
brasileiro, não se nota que na verdade se estão descrevendo os sintomas
físicos, morais e mentais da fome. Os líderes que tiverem como meta a solução
económica do problema da comida serão tão abençoados por nós como, em
comparação, o mundo abençoará os que descobrirem a cura do câncer.
Clarice Lispector, in Crónicas no 'Jornal do Brasil (1967)'
Fotografia de Victor R. Caivano - Associated Press